A GOELA DA MORTE

Ilustração: Railson Wallace

No final da década de 70, a cidade de Igarapé-Miri passava por uma transformação em sua estrutura, pois começava a expansão urbana pela qual passaram todas as cidades vizinhas como: Moju, Abaetetuba, Barcarena e outras. Em Igarapé-Miri, a avenida  era a Avenida Carambolas, que ia do trapiche até o cemitério Bom Jesus, o único da cidade. Da esquina do cemitério, tinha início a Rodovia Moura Carvalho que por muito tempo levava e trazia os moradores para Abaetetuba em ônibus de propriedade do saudoso Zé Martins, o primeiro empresário do ramo em Igarapé-Miri. Após o cemitério, foi aberta uma rua denominada de Major Lira Lobato, onde na esquina com a rodovia, foi construído nosso querido Ginásio, como era chamada a escola Aristóteles Emiliano de Castro.

Pois bem, Goela da  Morte é um trecho que ficava à cem metros de distância da esquina do Ginásio, em direção à antiga estrada. Haviam poucos moradores nesse perímetro, e o que tinha de mais marcante exatamente na goela como era conhecida, era a fazenda do Sr. Antonio Bastos e o Campo de Aviação, onde aterrissavam pequenas aeronaves. 

Goela da Morte, foi o nome dado a uma faixa de terra de mais ou menos 5 metros de largura por 30 metros de comprimento que servia para atravessar um conjunto de igarapés e alagados que separavam a estrada da fazenda por onde eram obrigados a passar carros ou pessoas que quisessem seguir viagem para fora da cidade. Era um lugar sinistro principalmente a noite, quando o reflexo da luz da lua incidia sobre o espelho d’água e sobre a vegetação fechada que predominava o local tudo isso tornava o lugar assustador. 

A Goela dava também acesso ao primeiro Campo de Aviação de Igarapé-Miri, que hoje tornou-se a Avenida Comandante Fernando Lima, uma homenagem a um aviador que costumava fazer piruetas no ar com seu monomotor para conquistar a uma linda miriense, com quem veio a se casar mais tarde. 

Um fato que marcou para sempre aquele local, foi numa manhã chuvosa, em que a cidade acordou com a notícia assustadora de que um corpo estava deitado bem na porta de um morador da Goela da Morte, esse morador chamava-se Barbalho e tinha sua residência no início da sinistra passagem. Metade dos moradores da cidade se dirigiram até o local. O corpo de um senhor de aproximadamente 70 anos, vestido com calça e camisa, porem com a cabeça quebrada na altura da testa, parecia uma pancada desferida com um pedaço de pau. Chovia fino e as pessoas reconheceram a vítima imediatamente, era uma pessoa conhecida de todos e que atendia pelo nome de Raimundo. 

O detalhe mais curioso é que a pessoa que jazia ali na porta da casa de Barbalho, não havia sido  morta lá e sim distante dali uns 200 metros, ou seja, no Campo de Aviação, isso era fácil de saber, pois apesar da chuva fina que não dava trégua, era possível ver as marcas na rua deixadas pelo assassino, quando este arrastou o corpo através da Goela da Morte até a rampa que dava acesso a casa do Sr. Barbalho.

Depois deste fato, o local ficou ainda mais conhecido e segundo alguns moradores das redondezas mais assombrado, pois de vez em quando se ouviam gemidos e pedidos de socorro, porém ninguém ousava abrir a janela ou espiar na rua. A Morte deste homem, se tornou um mistério entre tantos que nossa cidade nunca conseguiu desvendar até hoje. 

Após terem-se passado muitos anos do acontecimento narrado, já por volta de 1977, um fato chamou a atenção da população da cidade. Pelos idos de 1978, Barbalho que morava sozinho com a sua esposa, de vez em quando  saia de manhã de sua casa e pedia socorro a qualquer pessoa que passava ou que encontrava na rua, este senhor tinha a fisionomia transtornada e dizia não dormir mais juntamente com sua esposa, pois jogavam pedras em sua casa, tanto de dia como de noite, primeiro o assunto era levado na brincadeira mas com a insistência de Barbalho e relatos dos vizinhos, a população começou a desconfiar que tudo aquilo era realmente verdade, ainda mais que Barbalho tinha o hábito de comprar ossos de boi então o povo dizia que ele também guardava em sua casa ossos trazidos do cemitério.

Era tão grande a curiosidade da população daquela época sobre o assunto que era comentado por todos, cada um fazendo sua avaliação sobre o que estava realmente acontecendo naquela casa de aspecto sinistro pois, sua localização na Goela da Morte, e a sombra das árvores que rodeavam a casa, davam um aspecto de casa mal assombrada como pensavam algumas pessoas, pois Barbalho juntava ossos para vender e os vizinhos juravam que haviam ossos humanos dentro de algumas caixas que Barbalho guardava à sete chaves.

Com a notícia cada vez se espalhando tornou-se comum que pessoas  passassem horas em frente a casa de Barbalho  escutando o barulho das pedras sobre o telhado. As pedras continuavam a cair no telhado e a penúria do casal que já estava a várias noites sem dormir continuava, pois o fenômeno das pedras sobre as telhas não parava nunca, atraindo inclusive a TV Liberal para fazer uma reportagem sobre os fatos para divulgação a nível de estado. Muitas pessoas compadecidas com a situação dos dois anciões que habitavam aquela casa mal assombrada, sugeriram aos presentes que trouxessem um padre para exorcizar o local ou uma mãe de santo para expulsar os espíritos do mal que porventura estivessem atormentando aquele casal de idosos. Alunos das escolas, já não iam estudar preferiam passar quase que o dia inteiro em frente a casa mal assombrada contemplando o desespero dos moradores e a agitação das pessoas que rezavam, gritavam, riam e até tentavam entrar para resgatar os dois moradores que já sofriam há vários dias.

Um grupo de jovens que também faziam parte daquele aglomerado de curiosos e participavam daquele tumulto que se tornou aquele acontecimento inusitado, depois de discutir aquela situação, fizeram uma pequena reunião e decidiram entrar na casa, pois além da porta da frente permanecer fechada dia e noite, só ouviam o barulho das pedras e gritos dos idosos a cada pedra que caía. Depois de decidido, eu pediram para entrar e Barbalho consentiu após muita insistência. Após tomarem um gole de cachaça, criaram coragem e entraram. Ao adentrar na residência, se depararam com um cenário horripilante, roupas estavam no chão, muitos ossos em um canto da sala, garrafas espalhadas pela casa toda e aquele barulho de pedra sobre o telhado, interessante também é que haviam também pedras no chão da casa. 

Barbalho andava desorientado, suava bastante, falava alto e esbravejava dizendo:

- São eles, são eles, eles querem me levar mais não vão conseguir.

Sua mulher estava sentada em cima de um Baú, uma espécie de mala grande onde as pessoas daquela época guardavam objetos de valor, estava cansada no alto de seus 70 anos, descabelada e com olheiras. Vestia um vestido preto e estava com um véu na cabeça. A gritaria lá fora era grande, as pessoas queriam saber o que estava acontecendo, quando de repente ouviu-se um barulho de pedra no telhado do quartinho anexo à cozinha, os jovens pegaram um grande susto e tomamos mais um gole de pinga pois já estavam também com medo. Então Barbalho levou eles até o dito quarto e quando empurrou a porta, lá estava uma pedra de mais ou menos 500g no assoalho, então os garotos para o telhado e nenhuma telha estava quebrada, as janelas estavam fechadas, aí os curiosos ficaram em pânico então e um deles falou:

- Nós vamos embora daqui.

No que Barbalho respondeu:

- Não vocês não podem nos deixar aqui sozinhos, não vão pelo amor de Deus.

Pediram então que Barbalho trouxesse uns galhos de Pião Roxo planta que segundo a crença afasta coisa ruim, no que o homem prontamente apanhou pela janela da casa, imediatamente os jovens, começaram a bater nas paredes da casa então Barbalho pedia para que batesse nele também, depois de várias rimpadas, Barbalho dizia:

- Dá nela também.

É claro que eles não atenderam aquele pedido e após toda aquela sessão de  descarrego e mais pinga repararam que a mulher de Barbalho permanecia sentada no baú como se nada estivesse acontecendo, dirigindo para eles, um olhar estranho, então um deles perguntou:

- A senhora tem uma bíblia em casa?

Como ela não respondeu, Barbalho disse:

- Ela tem, mais guarda neste Baú e ninguém consegue fazer com que ela se levante daí de cima.

Tomando mais um gole um dos jovens disse:

- Tem coisa estranha aí, essa velha esconde alguma coisa, não é possível que uma pessoa fique sem comer e sem dormir por mais de um dia e esteja nesta tranquilidade.

- A senhora pode se levantar daí desse Baú para tirarmos a bíblia de dentro?

- Não, respondeu a senhora olhando sério. 

Logo sentiram um calafrio ao encarar aquela figura estranha que abriu uma das mãos e apontando em nossas direções aos jovens, gritou:

- Saiam daqui, vocês são da parte do Diabo, fora daqui. Começando a atirar objetos na direção dos jovens.

Nisto, entraram na casa Dona Lenita, que era uma conhecida sensitiva e seu Lola que sempre a acompanhava nos trabalhos do ofício nestas situações, tinha sido chamados por alguém que certamente estava preocupado com toda aquela situação. Então a sensitiva pediu para que Barbalho sentasse ao lado de sua esposa, em seguida pediu para que os jovens se retirassem do local. Depois disso ela fechou toda a casa isso por volta das 14:00h, ouvia-se gritos, barulho de pés no assoalho e palavras de ordem, como se alguém estivesse sendo expulso daquele local. Todos os curiosos procuraram se aproximar mais da casa maldita para ouvir melhor o que vinha de dentro, já que não podiam ver nada pois estava tudo fechado.

De repente fez-se um silêncio aterrador dentro da casa e depois de uns 30 minutos, eis que a porta principal se abriu e de dentro da casa, saiu a sensitiva e seu assistente, com o dedo na boca pedindo silêncio a todos e pedindo que todos fossem embora, o que todos atenderam, não sem antes perguntar o que aconteceu com os dois anciões, então a sensitiva aproximou-se do grupo e explicou que os dois estavam em um sono profundo. Os dois sumiram rapidamente e cada um foi pra sua casa. Terminava ali um mistério e começava outro, o que realmente aconteceu no interior daquela casa?  


Material cedido pelo professor e mestre em cultura popular Gelffson Brandão Lobo.

O CURUPIRA DO CAJI

Ilustração: Railson Wallace

           Próximo à Vila Igarapezinho do Caji, existe um pequeno povoado chamado Maratauá, que é formado por três famílias que se dividem em várias casas. Devido ao fato desse povoado ser um local muito afastado da cidade, a prática da caça é muito comum entre os moradores da localidade.

           A lenda do Curupira é muito popular na Amazônia, mas na região do Rio Caji, interior do Município de Igarapé-Miri, este personagem também é chamado pelos moradores, de Mãe do Mato ou Anhangá. Para os moradores do Caji, o Curupira também pode se transformar em um pássaro chamado Inhambu-Anhangá, que emite um assovio forte, que desnorteia os caçadores na floresta, fazendo com que eles fiquem perdidos por vários dias, dentro da mata.

           Certo dia, três moradores do povoado de Maratauá, entraram para caçar na floresta. Após o dia inteiro de caça na mata, conseguiram capturar apenas um grande jabuti, com o cair da noite, um dos caçadores sugeriu que o grupo voltasse para suas casas, o que inicialmente enfrentou resistência dos outros dois. Após muita conversa, decidiram retornar para o povoado.

           Ao chegarem em um campo de natureza (área de vegetação baixa), onde estava mais claro pela ausência de árvores grandes, decidiram cortar caminho pela mata fechada por ser o percurso mais curto. Quando adentraram novamente na floresta, ouviram o assovio do Pássaro Inhambu-Anhangá, que na verdade era uma transformação do Curupira. Passaram horas andando dentro da mata, sem encontrar o caminho de suas casas, até que escureceu totalmente.

            Decidiram então parar, à espera do amanhecer, para poderem seguir em frente. Quando o sol nasceu, andaram o dia inteiro, perdidos na floresta sem encontrar o rumo de volta para casa. Depois de dias procurando o caminho de retorno, encontraram uma pequena estrada por onde era feito a retirada de madeira, seguiram pelo ramal, que os levou até as margens de um rio. Cortaram braços de miriti (buriti), e nadaram, ao chegarem na casa de um senhor ribeirinho, este informou que estavam no Rio Sumaúma, uma das localidades mais distantes do município de Igarapé-Miri.

           Os caçadores que passaram três dias e três noites na mata, após ouvirem o assovio do Inhambu-Anhangá, trocaram o jabuti que tinham encontrado, por farinha, entraram pelo Rio Pindobal, até chegarem ao ramal que dá acesso à Vila Igarapezinho. Lá encontraram um grupo de pessoas que há dias procuravam por eles.

           Ao retornarem, informaram aos seus familiares o que teria acontecido, e como ficaram desnorteados após o assovio daquele pássaro que seria na verdade, o Curupira assumindo outra forma.


Quem contou essa história?

VENÂNCIO DE JESUS PINHEIRO

Nasceu na localidade Rio Caji, no ano de 1935. O senhor Venâncio reside na Vila Igarapezinho do Caji, interior do Município de Igarapé-Miri, onde é uma das lideranças comunitárias locais.

O ESPÍRITO DO HOMEM PRETO DA VILA IGARAPEZINHO

Ilustração: Railson Wallace

A Vila Igarapezinho, está localizada nas margens de um igarapé estreito, que é afluente do extenso Rio Caji. A maioria da população da localidade, é formada por descendentes de negros e indígenas, possuindo o povoado, cerca de 70 casas, sendo que muitas ficam ociosas durante o ano inteiro, os donos moram nas margens do Rio Caji ou em outras localidades, e só vão para o local, durante o período da tradicional Festividade de Nossa Senhora de Nazaré, que acontece todos os anos, no mês de setembro.

No mês de agosto, período que antecede a centenária Festividade de Nazaré, acontecem sempre na Vila Igarapezinho, vários casos sobrenaturais, que amedrontam os moradores da localidade, destes, o mais famoso, é a aparição de um espírito chamado pelos moradores da localidade, de o Espírito do Homem Preto, que seria um homem forte, totalmente na cor preta, que tem uma aparência assustadora.

Este espírito teria o poder o incorporar nos moradores, e até mesmo, atacar ou carregar as pessoas para a floresta. Segundo alguns moradores, este ser sobrenatural, seria um espírito vagante, e que só vai deixar de passar pela Vila Igarapezinho, depois de levar uma criança daquele povoado.

Era uma noite de domingo do mês de agosto, chuviscava forte na Vila Igarapezinho, como a localidade ainda não possuía energia elétrica, ao anoitecer, o povoado ficava totalmente escuro, a iluminação das casas eram feita através de lamparinas e velas, com exceção de poucas residências que possuíam motores movidos à óleo diesel.

Já passavam das 20h, em uma casa simples, de madeira e coberta por palha, após a janta, uma família se preparava para dormir. As crianças dormiam na sala, e os pais, no quarto. Após deitados, os pais ouviram um barulho, como se alguma coisa estivesse andando no telhado de palha. Assustados, foram até à sala e perceberam que uma das suas filhas não estava no local.

Saíram a procurar a criança nas casas dos parentes e nas residências dos vizinhos que possuíam motores, pois lá, muitos moradores se reuniam para assistir televisão, mas nenhum sinal da menina. Logo, um grupo de moradores se mobilizou para procurar a moça desaparecida, fizeram buscas na estrada (ramal que dá acesso à capela de onde sai o Círio de Nazaré do Igarapezinho), e em ramais, como o caminho que dá acesso à localidade da Boa União do Rio Caji (local onde fica o cemitério da região), foram também para o ramal que dá acesso ao Rio Pindobal, Vila Felipequara e Vila Curuçambaba (ambas em Cametá) e que também dá acesso ao povoado Maratauá, que fica próximo à localidade.

Após buscas nos ramais, não encontraram a criança desaparecida, decidiram então procurar na floresta que cerca a Vila Igarapezinho, dividiram-se em vários grupos, e adentraram pelos pequenos caminhos que davam acesso ao matagal.

Após horas de buscas, encontraram a moça em meio a floresta, totalmente desorientada, e sentada sob um formigueiro, com as mãos para trás. Após a chegada de alguns moradores ao local, a menina desmaiou. Um grupo de pessoas carregaram a criança, e a levaram para a casa de um de seus parentes. Depois do resgate, ouviram um barulho na mata, como se alguém se movimentasse entre as árvores, perseguiram aquele vulto, até as margens do igarapé, onde viram apenas um rastro, como se alguém tivesse dado um grande salto para o outro lado.

Na casa, ao recuperar a consciência, a menina relatou ter visto o vulto de um homem preto muito grande, de olhos vermelhos, e aparência assustadora, que a tirou da rede, e carregou a moça nas costas, mata à dentro. Com a grande quantidade de pessoas que procuravam a moça, o espírito decidiu abandoná-la no mato.

Ao amanhecer, levaram a moça para uma mãe de santo que morava na localidade São Domingos do Caji, próximo à Vila Igarapezinho, e ao benzê-la,  a mãe de santo falou que se tratava de um espírito maligno que não é daquela localidade, mas que passa periodicamente por lá. Este espírito entra pela estrada da capelinha, e passa pelo povoado. O seu objetivo é levar algum morador com ele, principalmente se for uma criança. Depois deste acontecimento, o Espírito do Homem Preto, passou a possuir o corpo da moça.

Outros casos envolvendo este mesmo espírito, também aconteceram no Igarapezinho. Vários moradores relatam terem visto, e serem atacados ou incorporados pelo Espírito do Homem Preto.

No mês de setembro, durante a Festividade de Nazaré, uma moça que andava por um caminho que dá acesso entre à Vila Igarapezinho e o Cemitério Boa União do Caji, teria visto o espírito durante o percurso, e após o ocorrido, teve o corpo possuído pelo Homem Preto, e também por outros espíritos. A jovem foi levada para um pai de santo da localidade Tauajó, que fica próximo à Vila Curuçambaba (município de Cametá). O pai de santo informou que o espírito entra na localidade pelo ramal da pequena capelinha, e que os pais e mães, não deveriam deixar seus filhos brincarem naquele lugar.

O mesmo Espírito do Homem Preto, já teria atacado vários moradores, durante o sono. Um desses casos aconteceu no ano de 2017, quando um homem dormia na sala de uma das casas da Vila Igarapezinho.

Recém-chegado na localidade, o homem veio da Cidade de Mocajuba, e casou-se com uma moradora do Igarapezinho. Por trabalhar na Cidade de Igarapé-Miri, passava somente alguns dias naquele povoado.

Na sala, os outros moradores da casa também estavam deitados em redes, ou conversavam em pés. Ao abrir os olhos, o jovem, viu um homem totalmente preto e forte de aparência muito assustadora, que o olhava. Os olhos daquela criatura eram vermelhos.  

Ali se travou uma batalha, o espírito tentava a todo custo enforcar o homem, que não conseguia se movimentar, e nem gritar. Sem saber o que fazer, o homem rezou o pai nosso em mente. Na medida que oração avançava, mais aquela criatura apertava o seu pescoço.

Após o fim da oração, aquele espírito largou o homem e saiu correndo para fora da casa. Desesperado, o homem se levantou daquele pesadelo. No dia seguinte, contou o ocorrido ao seu sogro, este informou que o mesmo também já teria acontecido, com outros moradores da casa.

Segundo os moradores da Vila Igarapezinho, o Espírito do Homem Preto sempre volta para atacar outros moradores.

Baseado nos relatos de moradores da Vila Igarapezinho do Caji, Município de Igarapé-Miri.

A MATINTA PERÊRA DA BOA ESPERANÇA

Ilustração: Railson Wallace

Era ano de 1972, Igarapé-Miri era uma cidade pequena, mas aconchegante, o povo vivia da produção rural e da pesca.  Apesar de pequena, a cidade era bem arborizada o que durante o dia, fazia com as ruas ficassem cobertas por sombras, e principalmente no largo  (hoje Praça Sarges Barros), as noites ficavam mais escuras devido ao grande número de árvores frutíferas que deixavam as ruas mais bonitas, porém nas noites de inverno quando a chuva predominava na maior parte do dia e da noite, o aspecto do Largo e das ruas ao redor, assumiam uma paisagem assombrosa, causando medo aos moradores que precisavam se deslocar durante a noite.

Uma das travessas da cidade, que até hoje tem o nome de Quintino Bocaiuva, se estendia até 3 ruas em direção ao fim da cidade acabando na rua Padre Vitório, que passa em frente ao Cemitério Bom Jesus do Passos, dali em diante passa a se chamar de Estrada Alves Teixeira que tem um quilômetro de distância e foi feita para dar acesso à Boa Esperança onde era realozada  a tradicional festividade de Santa Maria e findava a cidade.

Na estrada Alves Teixeira, depois da rua Padre Vitório, a mais ou menos duzentos metros, morava a família de um carpinteiro de nome Pedro, que era casado com uma senhora de uns 50 anos de idade conhecida como Ana, e já tinham uns três filhos, sendo dois homens e uma mulher.

Era mês de Março e a chuva castigava nossa pequena cidade, nessa época as crianças não podiam usufruir do melhor espaço que tinham para brincar e jogar futebol, que era o Largo (atual Praça Sarges Barros), espaço onde tudo acontecia, pois lá estavam localizados, o Grupo Escolar, a Prefeitura, os Correios, o SESP, o Cartório, etc.

Este espaço também era cruzado por muita gente que se dirigia pra trabalhar, para ambos os lados da cidade, porém o Largo ficava intrafegável durante aquela época, pois no inverno, surgiam uma grande quantidade de olhos d´água e a areia que cobria a maior parte do espaço ficava mole, quando alguém tentava atravessar, se atolava até o joelho. A maior parte das pessoas que atravessavam diariamente o Largo nessa época, tinham que dar uma volta grande para chegarem aos seus destinos.

Na estrada Alves Teixeira, logo na entrada, cerca de uns 200 metros onde morava o casal Pedro e Ana, moravam também várias famílias, incluindo a do senhor Sr. Antônio, um homem de uns 50 anos de idade, que era pai do jovem Marçal, que devia ter uns 20 anos na época, e exercia a profissão de padeiro junto com o seu amigo Altino nas dependências do Círculo Operário.

Os dois todos os dias, saíam por volta de meia noite, ou 01:00h da madrugada em direção ao Círculo Operário que ficava localizado atrás da Casa Paroquial, onde ficam agora, vários pontos comerciais pertencentes à Paróquia de Sant'Ana de Igarapé-Miri, e lá no Círculo funcionava a única padaria que tinha na cidade.

Dona Ana estava gestante de uns 7 meses, seu marido trabalhava no interior de Igarapé-Miri, ele viajava segunda-feira e só voltava na sexta. Foi em uma noite de quinta para sexta, que Altino se preparava para ir para a padaria e ao chamar o Marçal que estava com febre e não podia ir, então Altino pegou a sua garrafa de café e saiu de casa para trabalhar, eram duas horas da manhã e ele já estava atrasado, fechou a porta, quando ouviu um choro de criança bem baixinho, que lhe chamou a atenção. Estranhou, pois no perímetro em que morava não tinha nenhuma criança recém nascida.

No início pensou tratar-se de um gato mas ao apurar o ouvido identificou que o estranho choro vinha da casa da frente, que era justamente a casa de Dona Ana, lembrou-se porém que ela havia comentado com a vizinhança que estava com 7 meses de gestante, na dúvida resolveu averiguar se o bebê não havia nascido prematuro.

Como o Sr. Pedro estava trabalhando para o interior e não estava na casa, Altino então se dirigiu até o outro lado da rua para escutar melhor. Ventava muito forte e frio, então o jovem aproximou o ouvido da parede da casa de Pedro, e se deparou com a porta da frente apenas encostada, empurrou de leve e bateu palma para chamar alguém, porém ninguém respondeu, e ele resolveu entrar nas pontas dos pés para não acordar as crianças menores.

O choro continuava, era um choro abafado, e ao chegar na porta do quarto que estava entreaberta, empurrou bem devagar e não avistou ninguém, tinha apenas uma rede atada, onde notou um volume de onde partia o choro. Curiosamente se dirigiu até a rede e ao abrir ficou petrificado de horror, ali dentro estavam as vísceras de uma pessoa e no meio de tudo daquilo, estava um feto que imediatamente parou de chorar, pálido ainda constatou que se tratava de uma criança do sexo feminino.

Suando em plena madrugada, Altino saiu da residência de Pedro, e ao chegar na rua, viu algo passar na escuridão, parecia voar, a noite era muito escura, aquele vulto emitiu um assovio tão forte que deixou Altino meio surdo, imediatamente todo arrepiado, atravessou a rua e entrou correndo em sua casa muito assustado. Sua esposa acordou e ele disse que tinha visto algo muito terrível, mas que não podia contar a ninguém, vendo o desespero do marido sua mulher conhecida por Luzia, resolveu acompanhá-lo até o Círculo Operário, pois ele estava com medo demais para ir sozinho.

Altino não parou de pensar no que viu e cada vez que lembrava, sofria calafrios. Após terminar o dia de trabalho, no fim da tarde, Altino então se dirigiu até a casa de Dona Merá, uma senhora de uns 70 anos, muito religiosa e que era devota de São Sebastião em cuja festa, na procissão durante a noite, cada um dos acompanhantes acendia uma Poronga (lamparina artesanal, alimentada por querosene que ficava acesa durante o cortejo), para que ela explicasse o ocorrido. Tia Merá como era conhecida, após ouvir o relato, explicou a Altino que se tratava de uma Matinta Perêra, e que Ana tinha herdado o fado de seus antepassados. Avisou também que ele deveria ter muito cuidado, pois ela poderia se vingar, o assombrando.

Na madrugada de sexta-feira, Altino e Marçal não foram trabalhar, com medo da vingança da Matinta Perêra. No sábado pela manhã, ao abrir a janela, avistou Pedro que vinha saindo de casa, saiu também da sua, chamou Pedro e perguntou:

- Pedro, você já sabe se o filho que Dona Ana espera, é menino ou menina?

Pedro respondeu:

- Não, mas a parteira disse que é um menino.

Diante da resposta de Pedro, Altino fez a seguinte colocação:

- Amigo eu posso apostar que é uma menina.

Nisto Dona Ana que estava na janela, olhou sério em direção a Altino e ele voltou a sentir calafrios, como se estivesse vendo aquelas vísceras dentro da rede naquela noite macabra. Pedro notando que algo estava acontecendo, disse:

- Vai pra dentro, Ana.

Depois que ela entrou, então Pedro perguntou o que estava acontecendo e Altino sempre dizia que não estava acontecendo nada. Pedro chegou até a insinuar que estava sendo traído pelos dois, começando a aumentar o volume de sua voz, foi então que Altino resolveu contar o que tinha visto naquela noite de terror.

Pedro não acreditou, porém combinou com Altino de viajar na segunda-feira e antecipar sua volta para sexta de madrugada. Na segunda, Pedro viajou e antes confirmou com o amigo que voltaria na sexta. De madrugada por volta de uma hora, Altino acordou Marçal,  que tinha dificuldade de se comunicar pois gaguejava muito e piscava sem parar, deu-lhe a garrafa de café e a lanterna, abrindo em seguida o guarda-chuva para proteger os dois, já que começava a chover bem fininho.

Saíram andando colados com a lanterna acesa apontada pra frente, vinham sem nada falarem, dobraram o canto em direção ao Grupo, e já estavam em frente ao Palacete da prefeitura, quando ouviram um assovio muito forte e um farfalhar de asas produzidos por um vulto, como se fossem de um grande pássaro sinistro que estava bem perto dos dois, o susto foi tão grande que o Marçal além de gago ficou mudo e com os olhos arregalados. Jogou a garrafa e a lanterna pra longe, indo parar em baixo do bacurizeiro, em seguida disparou numa carreira em direção à sua casa na estrada da Boa Esperança, de onde tinha acabado de vir. 

Altino pensando na vingança da Matinta, correu em direção ao Círculo Operário e lá chegando, jogou-se em cima dos sacos de trigo, sendo acudido pelo ajudante que já havia chegado e que vendo o estado em que se encontrava o seu chefe,  pediu socorro aos vizinhos, acordando várias pessoas, que ajudaram o padeiro a se recompor.

Depois de calmo, Altino explicou aos presentes que havia sido perseguido por uma Matinta Perêra e que queria saber onde estava o Marçal, pois após o assovio, não viu pra onde ele teria corrido. Os presentes se entreolharam e resolveram juntamente com Altino, ir atrás do Marçal. Como a lanterna tinha sido jogada longe durante a fuga, cada um pegou uma lamparina e seguiram em direção ao Largo, onde tinha acontecido a aparição.

Parecia um cortejo fúnebre, todos calados e temendo a todo instante, avistarem a tal Matinta. Ao chegarem em baixo do Bacurizeiro, frondoso como sempre e que ajudava a tornar ainda mais escura aquela noite de horror, procuraram e não avistando nada no local, gritaram várias vezes pelo Marçal, e não obtendo resposta alguma, resolveram ir até à sua casa que ficava ao lado da casa de Altino, que murmurava baixinho:

- A desgraçada resolveu se vingar.

A madrugada era gelada e ventava muito, ao se aproximarem da casa de Marçal, notaram uma pequena aglomeração de pessoas na porta, e ao se chegarem, foram questionados pelos presentes, todos queriam saber o que tinha acontecido. Ao entrar na casa, Altino olhou para o Marçal que  estava pálido, olhos arregalados e respirando com dificuldades, sentado em uma cadeira sendo amparado e abanado por seu vizinho que também gaguejava, porém explicou com dificuldades, que todos foram acordados com um grito medonho e ao abrirem as janelas avistaram a figura de um homem que vinha em desabalada carreira, e que só reconheceram que se tratava do Marçal, quando aquela figura se aproximou.

De repente ouviram um barulho na porta de entrada e todos se voltaram e se depararam com uma mulher toda molhada, era Dona Ana, vizinha da frente da casa do Marçal. Altino sentiu novamente o mesmo olhar tétrico daquela mulher, que olhando para ele perguntou:

- O que houve?

Atino então explicou a todos o que tinha acontecido e olhando para Dona Ana, pensava que só de atravessar a rua, não dava para ela se molhar daquele jeito que estava, ela só podia ser a Matinta Perêra que havia atacado ele e seu amigo. Em fim Marçal se livrou do choque em que tinha mergulhado durante o ataque daquele ser sinistro e começou a querer falar, mas ninguém aguentou esperar e todos se retiraram para as suas casas.

Os dias foram passando e finalmente chegou sexta-feira, até este dia, Altino não viu mais sua vizinha Dona Ana, nesta noite por precaução, Altino resolveu dormir cedo, porém com muita curiosidade pela chegada de Pedro e a possibilidade de talvez ver resolvido aquele mistério que já estava deixando-o maluco, durante a madrugada Altino não dormiu mais, ficou sem sono pois estava apreensivo demais.

De repente ouviu vozes como se estivessem discutindo, levantou-se e foi até a janela, abriu um pouquinho somente o que dava para olhar para a rua, olhou no seu relógio de pulso que marcava 4 horas, olhou para a rua nas duas direções e estava deserta e escura, as vozes continuavam se fazer ouvir e vinham da direção da casa de Pedro e Ana, então sentiu medo, fechou a janela e foi deitar-se novamente para esperar amanhecer.

De manhã bem cedinho, Altino espantou-se com baques na porta da frente de sua casa, estranhou, porém levantou-se para atender e ao abrir a porta deparou-se com Pedro que estava com olheiras e com a fisionomia cansada como quem não dormiu a noite inteira, deu-lhe bom dia e pediu para que ele entrasse, Pedro sentou-se em uma cadeira, estava pálido, parecia um cadáver e olhando para Altino, disse:

- Meu vizinho, quero lhe agradecer por ter me alertado, o que mais o senhor sabe da minha mulher?

Altino relatou mais uma vez tudo que havia visto naquela noite macabra em que entrou na casa de Ana ao ouvir o choro de criança, e explicou porque já sabia que o sexo da criança que iria nascer, era feminino. Pedro então relatou que ao chegar mais cedo do que Ana esperava, também encontrou as vísceras da sua mulher abandonadas na rede e aguardou que ele chegasse do seu fado para pedir explicações, então começaram a discutir.  

Pedro resolveu  mudar-se para Belém com toda a família aproveitando para pedir segredo ao vizinho. No mesmo dia, a família toda viajou deixando a casa fechada e somente depois é que foram levadas as bagagens e nunca mais voltaram para Igarapé-Miri.

A casa existe até os dias de hoje.

Material cedido pelo Sr. Gelfson Lobo (Professor Gel).

A NOIVA DA MAROMBA

Ilustração: Railson Wallace

A profissão de taxista em Igarapé-Miri, remonta dos idos da década de 70. Dois taxistas em especial, iniciaram as atividades na nossa cidade, o Sr. Antônio e Airton, que era conhecido como Ceará, por pura coincidência, ambos eram nordestinos.
Certa vez, Seu Antonio, foi fazer um frete até a cidade de Abaetetuba, como era de costume quase todos os dias. Desta vez, levaria um passageiro de nome Lúcio. 
Nessa época a cidade de Igarapé-Miri tinha somente uma via terrestre de entrada e saída, que era a Rodovia Moura Carvalho que inicia no final da Avenida Carambolas, ao lado do Cemitério Bom Jesus dos Passos, e vai direto até a PA-151 na Maromba.
Era véspera de finados, as famílias de Igarapé-Miri, além de realizar as visitas aos cemitérios da cidade e interiores do município, também iam acender velas para os parentes enterrados em outras cidades. Naquele dia, Seu Antonio por volta das 12 horas, como combinado, foi buscar um passageiro, que era bastante conhecido, pois era quem tomava conta do motor que gerava energia para a cidade, que funcionava na antiga Usina de Força e Luz, local onde hoje é a sede da Rede Celpa.
Seu Antonio, buscou o passageiro em sua casa e seguiu viagem rumo ao seu destino, que era a cidade de Abaetetuba. A estrada era de terra batida, assim, muitos buracos dificultavam o trajeto do antigo fusca, que era a marca do carro daquele taxista.
Seu Lúcio, o passageiro, era um homem calmo e de poucas palavras. Por conta do longo trajeto, Seu Antonio puxou conversa com o passageiro, para descontrair a viagem.
Como o Sr. Lúcio trabalhava ao lado do cemitério e a energia gerada pelo motor a diesel era ligada ás 18 horas e desligada ás 22 horas, Seu Antonio imaginou que talvez o seu passageiro já tivesse  visto alguma coisa estranha, algo sobrenatural, no dia a dia, melhor dizendo na noite, isto porque, depois que ele desligava o motor, a cidade ficava totalmente escura e silenciosa, sendo que quase sempre, ele ainda fazia a limpeza do local, troca de óleo e outras coisas, saindo muito tarde da antiga usina.
Foi então que o passageiro saiu do seu silêncio e disse que não gostava de comentar sobre o assunto porque entendia que os mortos devem descansar em paz. Com muita insistência de Seu Antonio, o Sr. Lúcio  resolveu revelar um fato que ele presenciou. Disse que certa vez, estava se preparando para retornar para a sua casa, após desligar o motor da Usina de Força e Luz.
A cidade estava em total escuridão, não havia ninguém nas ruas. Quando saiu da usina, olhou para o lado do cemitério, como costumava fazer todas as noites, e ao olhar para o lado oposto, para o largo onde morava, em direção à Capela de Bom Jesus, que foi reerguida no mesmo local, na esquina da Trav. Generalíssimo Deodoro com a Padre Vitório, avistou uma mulher que usava um vestido todo branco, e com uma vela acesa nas mãos.
A mulher estava saindo da Capela e vinha em direção ao cemitério. Ele disse que se arrepiou todinho, e com medo daquela cena, escondeu-se na usina, apagando a lanterna que tinha ligado pra ir embora. Ficou olhando pela fresta da porta, e viu que a mulher que agora passava em sua frente, tinha os cabelos loiros e usava um vestido branco, parecendo flutuar. Depois que aquilo passou, por curiosidade Lúcio acompanhou com o olhar até ela entrar no Cemitério. Naquela noite disse ele, que não conseguiu dormir, imaginando aquela cena.
Ao chegarem em Abaetetuba, Antonio deixou o passageiro e retornou para Igarapé-Miri imediatamente. Devido as péssimas condições da estrada, a viagem era demorada e já eram quase 5 horas da tarde. No retorno, seu Antonio voltou sozinho e veio pensando naquele relato que ouviu do passageiro.
Ao se aproximar da cidade, exatamente na famosa ponte da Maromba, por volta das 18 horas, avistou uma mulher que fazia sinal para que ele parasse, ela estava vestida toda de branco e tinha em uma das mãos, um buquê de flores. Antonio preocupado por se tratar de uma mulher sozinha e em um lugar afastado, parou para levar aquela passageira, que para ele, estava desprotegida.
Seu Antonio ao parar, ouviu da mulher, um pedido de ajuda para chegar na cidade. O taxista então, decidiu ajudar aquela mulher, e permitiu que ela entrasse no táxi com o buquê que trazia na mão. Ao dar seguimento a viagem, perguntou onde a mulher ia ficar, e ela respondeu que ficaria em casa. Antonio então perguntou o endereço da moça, e ela respondeu somente que era sua vizinha.
Pelo trajeto, Antonio entrou na cidade, e ao passar pela Goela da Morte, avistou a sua casa, que ficava atrás do cemitério, e disse para a estranha passageira que não lhe cobraria nada mas que esperasse no carro enquanto ele daria uma parada em frente à sua casa para ir ao banheiro, no que a mulher concordou.
Antonio parou em frente à sua residência e foi direto ao banheiro, deixando aquela estranha mulher sozinha em seu veículo. Mas quando retornou, a mulher não estava mais no carro, porém o buquê que antes ela segurava com tanto apego, estava no banco do carona, onde a mulher ficou sentada durante a viagem.
Antonio estranhou aquele gesto e resolveu seguir de carro até a esquina da antiga Usina de Força e Luz, e lá estava um sapateiro conhecido pelo apelido de Caroncho. Este, era morador antigo da esquina oposta a antiga usina, e morava bem em frente ao cemitério.  
Antonio perguntou ao sapateiro, se ele tinha visto uma mulher loira e vestida de branco passar naquela esquina. De pronto, Caroncho informou que sim, ela teria vindo da estrada (Rodovia Moura Carvalho), e entrado no Cemitério Bom Jesus. Antonio então resolveu descrever a mulher para ter certeza, e no final caroncho confirmou tratar-se da mesma pessoa.
Assustado, Antonio ficou pálido, e Caroncho notando a situação do amigo perguntou o que estava acontecendo. Neste momento, Antonio saiu do carro com o buquê de flores na mão e narrou o que Lúcio lhe contara durante a viagem. Os dois se olharam e decidiram ir até o cemitério a procura da mulher. Já passava das 18hs e alguns minutos depois de adentrarem no cemitério, Caroncho gritou:
- Lá está ela, é aquela!
Ao virar-se, Antonio não viu ninguém, então perguntou ao sapateiro:
- Onde?
Foi então que Caroncho apontou para uma sepultura onde destacava-se a fotografia de uma mulher, e sob a mesma os dizeres “Aqui jaz M.P.R” nascida em 01/11/1950, falecida em 01/11/1969. Depois de ficarem mudos por um tempo, constataram tratar-se da mesma pessoa.
Antonio  lembrou do buquê que ainda estava intacto em suas mãos, então depositou suavemente as flores sobre a sepultura. Depois, saíram correndo assustados.
Durante algum tempo, Caroncho acendia velas no túmulo da mulher, pedindo paz para sua alma.

Material cedido pelo Sr. Gelffson Lobo (Professor Gel).

O FOGO SOBRENATURAL

Ilustração: Railson Wallace

Em meado da década de 50, a pacata cidade de Igarapé-Miri, ainda não possuía sistema de distribuição de energia elétrica 24 horas por dia, sendo a iluminação noturna, feita através de uma caldeira e máquina movida à lenha, que acionava um gerador de fabricação inglesa, gerando energia por algumas horas, durante a noite.

A antiga Usina de Força e Luz, local onde ficava a caldeira e todo o maquinário, era localizada ao lado da Casa Paroquial, na rua denominada hoje, de 7 de Setembro, no local onde hoje existe um posto de gasolina. O responsável pela iluminação, era um senhor de nome Alves, morador de uma casa humilde de palha, que ficava próxima ao Cemitério Bom Jesus dos Passos.

A lenha era colocada para queimar na caldeira, no início da noite, e todos os dias por volta das 21 horas, Alves pedia para que sua esposa e sua filha, o acompanhassem até à usina, para retirar parte da lenha, assim, a energia seria desligada aos poucos. A filha de Alves sempre relutava para não ir, pois não gostava de sair naquele horário. Mesmo assim sua mãe insistia, e ela sempre acabava aceitando o convite.

Naquela época, não existia a UBS (SESP) e nem a Caixa D’Água, sendo o local onde hoje está a Praça Sarges Barros, apenas um grande largo, com várias árvores, e o palacete no centro. 

Quando saíram da usina, chegando próximo ao Cemitério Bom Jesus dos Passos, viram uma luz que vinha do chão. Eram pequenas chamas de fogo, que se movimentavam com o vento.

A esposa de Alves curiosa com aquela cena, pediu para que seu marido a acompanhasse para ver de perto aquele estranho fenômeno, tendo seu pedido negado, pois Alves estava com medo. 

Desde criança, os pais de Alves, sempre lhes contaram histórias de dinheiro enterrado pelos cabanos, e que em Igarapé-Miri, existia muito dinheiro enterrado, sendo esse tesouro, amaldiçoado, pois quem tomasse posse dele, queimaria em fogo.

O mesmo fenômeno também foi presenciado pela família de Alves, na rua hoje denominada de Lauro Sodré, nas proximidades de onde hoje está a agência dos Correios. Próximo dali, existia uma antiga padaria, que para ser construída, foi necessário cavar alguns buracos para fincar as estacas de madeira, sendo que durante os trabalhos, foram encontrados vários potes cheios de moedas antigas, do tempo da Cabanagem, que foram enterrados novamente, naquele mesmo local.

Baseado nos relatos da Sra. Ruth Pureza. 

A MOÇA DO CEMITÉRIO BOM JESUS

Ilustração: Railson Wallace

O caso mais antigo sobre a Moça do Cemitério Bom Jesus que temos conhecimento até o momento, aconteceu no dia 16 julho do ano de 1996. Dênis Araújo era um jovem de 23 anos, nascido em Belém, mas que há dois anos (desde 1994), morava na Cidade de Boa Vista, capital do Estado de Roraima.

Em julho de 1996, Dênis estava de férias de seu trabalho em Boa Vista e decidiu visitar os seus familiares em Belém. Na capital paraense, conheceu a esposa de seu irmão, a sua cunhada, uma miriense, que o convidou para passar o mês de julho em Igarapé-Miri, pois durante esse período, acontecia uma grande festividade religiosa que movimentava toda a região, a Festa de Sant’Ana, padroeira da cidade.

Dênis embarcou para Igarapé-Miri, junto ao seu irmão, sua cunhada e dois amigos. Ambos se hospedaram na casa da mãe da esposa de seu irmão. Eles chegaram em Igarapé-Miri na manhã do dia 16 de julho, no exato momento em que acontecia o Círio de Sant’Ana, o visitante logo saiu para conhecer a cidade.

As 23 horas do primeiro dia da festividade, Dênis saiu para uma festa que acontecia no antigo Salão Tropical, acompanhado de seu irmão e sua cunhada. A festa era comandada pela aparelhagem Equatorial. Ambos se divertiram muito durante a noite, até que as 3h da madrugada, eles foram embora, mas Dênis decidiu ficar na festa. As 4 horas, apareceu uma moça vestida toda de branco que abraçou e beijou Dênis, ambos namoraram a madrugada toda. A moça misteriosa levou Dênis para um canto escuro do Salão Tropical, onde ficaram abraçados e trocando carícias.

As 5h30 da manhã, a moça decidiu ir embora, convidando Dênis para acompanha-la, andaram juntos, de mãos dadas pela rua Padre Vitório, até chegarem no portão do Cemitério Bom Jesus, que estava fechado. Em questão de segundos, quando Dênis virou o rosto para ver se alguém presenciava a cena, ao olhar novamente para o portão, a moça já estava dentro do cemitério, Dênis pulou o muro para segui-la.

Dentro do cemitério, a moça sentou-se em um túmulo, e Dênis deitou-se em seu colo, ela lentamente foi se deitando em cima da sepultura. Naquele momento, Dênis adormeceu profundamente, acordando somente as 6 horas da manhã, com o sol batendo em seu rosto e o barulho dos trabalhadores do Cemitério abrindo o portão.

Ao levantar, viu o nome de Arissandra na sepultura e saiu assustado do cemitério, os trabalhadores ficaram olhando para Dênis, estranhando aquela cena incomum. Na esquina dom Cemitério, encontrou o irmão e a cunhada que o procuravam. Dênis explicou o que havia acontecido e juntos entraram no Cemitério Bom Jesus. Ele mostrou para a cunhada, a sepultura onde dormiu e ela logo lembrou da história de Arissandra, explicando que todos os anos ela aparecia para encantar os visitantes durante a Festa de Sant’Ana.

Outro caso aconteceu no dia 26 de julho do ano de 2002, último dia da tradicional Festividade de Sant’Ana de Igarapé-Miri. Durante o período do festejo dedicado à padroeira, a cidade recebe milhares de turistas vindos dos municípios vizinhos ou até mesmo pessoas vindas de outros estados do Brasil, ou de outros países.

Tinha chegado para participar da festividade em Igarapé-Miri, um jovem chamado Marcos, que morava na cidade de Moju. Ele ficou hospedado na casa de um amigo que residia no Bairro da Matinha.

Às 18 horas, Marcos saiu sozinho para o arraial, onde ficaria até o horário da queima de fogos, depois, iria para uma festa em um salão que existia na cidade. Ao chegar no arraial, conheceu uma moça muito bonita e educada, que vestida toda de branco, se apresentou pelo nome de Arisandra. Marcos, ao abordar a moça, pediu algumas informações, pois pouco conhecia a cidade de Igarapé-Miri, mas ficou conversando por horas com aquela jovem. Juntos, tomaram sorvete, brincaram no parque, e depois, acabaram namorando.

A moça era tão bonita, que mesmo a conhecendo por pouco tempo, Marcos logo se apaixonou. As horas foram passando, e assim que o relógio marcou as 23 horas e 45 minutos, faltando pouco tempo para a queima de fogos de encerramento da Festividade, a moça despediu-se, e desesperada, disse que tinha que ir embora, pois seu pai era muito ciumento, e algumas vezes, até mesmo violento, e não permitia que ela chegasse tarde em sua casa, pois era duramente castigada quando isso acontecia.

Não querendo perder a moça, Marcos disse que a levaria até à sua casa, e a pediria em namoro para o seu pai. A moça falou que não, pois ele de forma alguma, aceitaria que ela namorasse, e depois, saiu andando com muita pressa.

Escondido, Marcos seguiu a moça, que saiu do Largo de Sant’Ana, e desceu pela Avenida Carambolas, até à Rua Padre Vitório, onde fica a entrada do Cemitério Municipal Bom Jesus dos Passos. Escondido atrás de uma das mangueiras da Praça Sarges Barros, Marcos viu a moça entrar no cemitério, e sumir na escuridão.

Curioso, Marcos entrou no cemitério, à procura de sua amada, mas o que viu, o deixou paralisado, pois a primeira sepultura que avistou, estava escrito o nome Arisandra, o mesmo nome da moça que passou a noite com ele no arraial de Sant’Ana.

Assustado, Marcos saiu correndo do cemitério, e alguns minutos depois, passou a sentir fortes dores de cabeça, que duraram dias. Após este acontecimento, Marcos nunca mais veio à Igarapé-Miri, pois tinha medo de voltar a ver a moça do cemitério Bom Jesus.

A sepultura de Arissandra, é uma das primeiras ao lado esquerdo, na entrada do Cemitério da cidade de Igarapé-Miri. Arissandra era uma menina de 12 anos, que foi brutalmente assassinada pelo seu próprio pai, em abril de 1989. Ela morava no Rio Pindobal, interior de Igarapé-Miri, e por várias vezes, sofreu tentativas de abuso sexual pelo seu próprio pai, este nutria um ciúme doentio por ela, mas a menina e sua família, sempre ofereceram resistência. No ano de 2002, quando aconteceu este fato, Arissandra estaria com 25 anos.

Estes não foram os únicos casos, outros visitantes, também já teriam conhecido a moça do Cemitério Bom Jesus, durante a Festividade de Sant'Ana.                    


Baseado nos relatos de Dênis Araújo (morador de Boa Vista/RR) e Maria Benedita dos Santos conhecida popularmente por “Mãe Velha” (In memorian). Em vida, era moradora do Bairro do Jatuíra.