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Ilustração: Railson Wallace |
Motivada pela exploração, pela miséria, abandono e descaso das elites e do governo Regencial do Brasil com a região, em janeiro
do ano de 1835, eclodia na Província do Grão-Pará (hoje Estado do Pará), uma das maiores revoluções populares da história do Brasil, a Cabanagem. Em Belém, indígenas, negros, mestiços e ribeirinhos, se uniram a comerciantes e fazendeiros, derrotaram as tropas imperiais, e tomaram a
capital. Enquanto Belém era conquistada pelos cabanos, os conflitos se
alastravam rapidamente pelas vilas e povoados do interior da região amazônica.
No povoado de Sant’Ana de Igarapé-Miri (atual cidade de Igarapé-Miri), todos os habitantes que se mantiveram fiéis ao Governo Regencial do Império do Brasil, recolheram-se ao lugarejo, onde estava reunida a elite local. Foram construídas no rio, barricadas feitas com estacas de miritizeiros e esteios de acapu fincados nas margens, para dificultar o desembarque dos cabanos. Em terra, foram erguidas grandes cercas, com três portões que facilitavam a entrada e saída dos "legais" (elite branca e apoiadores do governo). Cada portão era vigiado por guardas e um comandante, sendo o comandante geral do acampamento, um homem chamado Pina.
No mês de agosto do ano de
1835, aconteceu o primeiro confronto entre cabanos e legais em Igarapé-Miri. Foram
quinze dias de cerco cabano pelo rio e pela terra. Vencidos pelos legais, os cabanos recuaram, retornando no final do mês de setembro do mesmo
ano, com um número maior de combatentes. Iniciaram então, um novo ataque, agora
com barcos trincheirados (que possuíam escavação feita no solo, para abrigar atiradores). Apesar
dos esforços, os cabanos não conseguiram tomar a localidade, e foram derrotados
novamente.
Tinham os cabanos a seu
favor, infiltrado em meio aos legais, um homem de nome José Severino,
que comandava um dos portões que dava acesso ao povoado. Severino havia
prometido traição aos legais, e garantiu que facilitaria a entrada dos revoltosos no acampamento. O acordo era, que um
tiro de arcabuz (antiga arma de fogo, de cano largo), seria o sinal dado para
a invasão cabana. Desconfiado da lealdade de Severino, o comandante geral do
acampamento, percorreu todos os pontos e chegando ao portão comandado por ele,
ali resolveu ficar.
Vendo o seu plano frustrado pela presença de Pina, Severino mandou
servir café misturado com sonífero ao comandante, que tomou, e dormiu na
varanda de uma casa próxima ao portão. Conseguindo o seu objetivo, José
Severino, as duas horas da manhã, deu a ordem de tiro, para um dos guardas que
também apoiava os cabanos. O guarda, aproveitando-se da ocasião, disparou sua
arma contra o comandante geral matando-o. Sendo este o sinal, os cabanos invadiram
o acampamento, e entraram em conflito com os legais. Ao amanhecer,
após a vitória dos cabanos, doze homens, os de melhor posição entre a elite de Igarapé-Miri, foram executados em frente à Igreja Matriz de Sant’Ana.
Em abril do ano de 1836, as forças imperiais do Brasil receberam a ordem para tomar
o povoado de Sant’Ana de Igarapé-Miri, que estava sob domínio dos Cabanos. Para
lá, saíram do povoado de Abaetetuba, alguns brigues (grande embarcação à vela). Foram dezessete dias de combates por terra e por
água.
À meia-noite do décimo oitavo dia de batalha, as tropas imperiais
conseguiram derrotar os cabanos, que fugiram para as florestas. Alguns morreram
durante a fuga, devido aos ferimentos adquiridos durante o combate.
No povoado de Sant’Ana de Igarapé-Miri, como resultado do último combate,
43 homens, duas mulheres e uma criança foram mortas, além de 50 pessoas
prisioneiras. As lideranças do movimento cabano em Igarapé-Miri, conseguiram fugir
para a floresta.
Anos depois destes fatos, vivia escondido na localidade Rio Santo
Antônio, interior do Município de Igarapé-Miri, o cabano de nome João Mesquita,
que contava que após o último combate em Igarapé-Miri, que resultou na fuga dos
revoltosos, um grupo de cabanos, se escondeu no Rio Moju. Permaneceram lá, até
chegar a eles, a notícia, de que soldados imperiais estavam subindo o rio,
atrás dos cabanos que fugiram, motivo que os fez deixar o local. Antes de
partirem, enterraram grandes vasos cheios de dinheiro.
Escondidos na floresta, acamparam na foz do igarapé Pitinga e
permaneceram lá, até ouvirem o barulho de um tiro de canhão, o que motivou o
grupo de cabanos, a abandonar o local, e rumar para o Rio Tocantins. Novamente,
antes de partirem, cavaram um buraco, onde enterraram dois baús com dinheiro de
cobre, vasilhas e objetos de prata. Em seguida, fizeram vários sinais em um
grande cajueiro que ficava na margem do igarapé. Além disso enterraram cinco
garrafões com moedas de ouro e prata, em um terreno limpo, e quebraram louças de
porcelana em cima, para sinalizar o local.
Em uma noite, quando viajavam rumo ao rio Tocantins, os cabanos que
fugiam, pararam para tomar mingau, na casa de um agricultor que tinha dois filhos. Nesta noite a
casa do agricultor foi cercada por soldados imperiais, que capturaram os
cabanos e os levaram para Belém, onde foram aprisionados. Alguns morreram
devido aos maus tratos e castigos, os que escaparam viveram escondidos na floresta.
Segundo o cabano mesquita várias
pessoas procuraram o tesouro enterrado dos Cabanos, mas nunca encontraram.
Fonte: Chronica de Igarapé-Miry, pelo Tenente Coronel Agostinho Monteiro Gonçalves (1904).
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