A GOELA DA MORTE

Ilustração: Railson Wallace

No final da década de 70, a cidade de Igarapé-Miri passava por uma transformação em sua estrutura, pois começava a expansão urbana pela qual passaram todas as cidades vizinhas como: Moju, Abaetetuba, Barcarena e outras. Em Igarapé-Miri, a avenida  era a Avenida Carambolas, que ia do trapiche até o cemitério Bom Jesus, o único da cidade. Da esquina do cemitério, tinha início a Rodovia Moura Carvalho que por muito tempo levava e trazia os moradores para Abaetetuba em ônibus de propriedade do saudoso Zé Martins, o primeiro empresário do ramo em Igarapé-Miri. Após o cemitério, foi aberta uma rua denominada de Major Lira Lobato, onde na esquina com a rodovia, foi construído nosso querido Ginásio, como era chamada a escola Aristóteles Emiliano de Castro.

Pois bem, Goela da  Morte é um trecho que ficava à cem metros de distância da esquina do Ginásio, em direção à antiga estrada. Haviam poucos moradores nesse perímetro, e o que tinha de mais marcante exatamente na goela como era conhecida, era a fazenda do Sr. Antonio Bastos e o Campo de Aviação, onde aterrissavam pequenas aeronaves. 

Goela da Morte, foi o nome dado a uma faixa de terra de mais ou menos 5 metros de largura por 30 metros de comprimento que servia para atravessar um conjunto de igarapés e alagados que separavam a estrada da fazenda por onde eram obrigados a passar carros ou pessoas que quisessem seguir viagem para fora da cidade. Era um lugar sinistro principalmente a noite, quando o reflexo da luz da lua incidia sobre o espelho d’água e sobre a vegetação fechada que predominava o local tudo isso tornava o lugar assustador. 

A Goela dava também acesso ao primeiro Campo de Aviação de Igarapé-Miri, que hoje tornou-se a Avenida Comandante Fernando Lima, uma homenagem a um aviador que costumava fazer piruetas no ar com seu monomotor para conquistar a uma linda miriense, com quem veio a se casar mais tarde. 

Um fato que marcou para sempre aquele local, foi numa manhã chuvosa, em que a cidade acordou com a notícia assustadora de que um corpo estava deitado bem na porta de um morador da Goela da Morte, esse morador chamava-se Barbalho e tinha sua residência no início da sinistra passagem. Metade dos moradores da cidade se dirigiram até o local. O corpo de um senhor de aproximadamente 70 anos, vestido com calça e camisa, porem com a cabeça quebrada na altura da testa, parecia uma pancada desferida com um pedaço de pau. Chovia fino e as pessoas reconheceram a vítima imediatamente, era uma pessoa conhecida de todos e que atendia pelo nome de Raimundo. 

O detalhe mais curioso é que a pessoa que jazia ali na porta da casa de Barbalho, não havia sido  morta lá e sim distante dali uns 200 metros, ou seja, no Campo de Aviação, isso era fácil de saber, pois apesar da chuva fina que não dava trégua, era possível ver as marcas na rua deixadas pelo assassino, quando este arrastou o corpo através da Goela da Morte até a rampa que dava acesso a casa do Sr. Barbalho.

Depois deste fato, o local ficou ainda mais conhecido e segundo alguns moradores das redondezas mais assombrado, pois de vez em quando se ouviam gemidos e pedidos de socorro, porém ninguém ousava abrir a janela ou espiar na rua. A Morte deste homem, se tornou um mistério entre tantos que nossa cidade nunca conseguiu desvendar até hoje. 

Após terem-se passado muitos anos do acontecimento narrado, já por volta de 1977, um fato chamou a atenção da população da cidade. Pelos idos de 1978, Barbalho que morava sozinho com a sua esposa, de vez em quando  saia de manhã de sua casa e pedia socorro a qualquer pessoa que passava ou que encontrava na rua, este senhor tinha a fisionomia transtornada e dizia não dormir mais juntamente com sua esposa, pois jogavam pedras em sua casa, tanto de dia como de noite, primeiro o assunto era levado na brincadeira mas com a insistência de Barbalho e relatos dos vizinhos, a população começou a desconfiar que tudo aquilo era realmente verdade, ainda mais que Barbalho tinha o hábito de comprar ossos de boi então o povo dizia que ele também guardava em sua casa ossos trazidos do cemitério.

Era tão grande a curiosidade da população daquela época sobre o assunto que era comentado por todos, cada um fazendo sua avaliação sobre o que estava realmente acontecendo naquela casa de aspecto sinistro pois, sua localização na Goela da Morte, e a sombra das árvores que rodeavam a casa, davam um aspecto de casa mal assombrada como pensavam algumas pessoas, pois Barbalho juntava ossos para vender e os vizinhos juravam que haviam ossos humanos dentro de algumas caixas que Barbalho guardava à sete chaves.

Com a notícia cada vez se espalhando tornou-se comum que pessoas  passassem horas em frente a casa de Barbalho  escutando o barulho das pedras sobre o telhado. As pedras continuavam a cair no telhado e a penúria do casal que já estava a várias noites sem dormir continuava, pois o fenômeno das pedras sobre as telhas não parava nunca, atraindo inclusive a TV Liberal para fazer uma reportagem sobre os fatos para divulgação a nível de estado. Muitas pessoas compadecidas com a situação dos dois anciões que habitavam aquela casa mal assombrada, sugeriram aos presentes que trouxessem um padre para exorcizar o local ou uma mãe de santo para expulsar os espíritos do mal que porventura estivessem atormentando aquele casal de idosos. Alunos das escolas, já não iam estudar preferiam passar quase que o dia inteiro em frente a casa mal assombrada contemplando o desespero dos moradores e a agitação das pessoas que rezavam, gritavam, riam e até tentavam entrar para resgatar os dois moradores que já sofriam há vários dias.

Um grupo de jovens que também faziam parte daquele aglomerado de curiosos e participavam daquele tumulto que se tornou aquele acontecimento inusitado, depois de discutir aquela situação, fizeram uma pequena reunião e decidiram entrar na casa, pois além da porta da frente permanecer fechada dia e noite, só ouviam o barulho das pedras e gritos dos idosos a cada pedra que caía. Depois de decidido, eu pediram para entrar e Barbalho consentiu após muita insistência. Após tomarem um gole de cachaça, criaram coragem e entraram. Ao adentrar na residência, se depararam com um cenário horripilante, roupas estavam no chão, muitos ossos em um canto da sala, garrafas espalhadas pela casa toda e aquele barulho de pedra sobre o telhado, interessante também é que haviam também pedras no chão da casa. 

Barbalho andava desorientado, suava bastante, falava alto e esbravejava dizendo:

- São eles, são eles, eles querem me levar mais não vão conseguir.

Sua mulher estava sentada em cima de um Baú, uma espécie de mala grande onde as pessoas daquela época guardavam objetos de valor, estava cansada no alto de seus 70 anos, descabelada e com olheiras. Vestia um vestido preto e estava com um véu na cabeça. A gritaria lá fora era grande, as pessoas queriam saber o que estava acontecendo, quando de repente ouviu-se um barulho de pedra no telhado do quartinho anexo à cozinha, os jovens pegaram um grande susto e tomamos mais um gole de pinga pois já estavam também com medo. Então Barbalho levou eles até o dito quarto e quando empurrou a porta, lá estava uma pedra de mais ou menos 500g no assoalho, então os garotos para o telhado e nenhuma telha estava quebrada, as janelas estavam fechadas, aí os curiosos ficaram em pânico então e um deles falou:

- Nós vamos embora daqui.

No que Barbalho respondeu:

- Não vocês não podem nos deixar aqui sozinhos, não vão pelo amor de Deus.

Pediram então que Barbalho trouxesse uns galhos de Pião Roxo planta que segundo a crença afasta coisa ruim, no que o homem prontamente apanhou pela janela da casa, imediatamente os jovens, começaram a bater nas paredes da casa então Barbalho pedia para que batesse nele também, depois de várias rimpadas, Barbalho dizia:

- Dá nela também.

É claro que eles não atenderam aquele pedido e após toda aquela sessão de  descarrego e mais pinga repararam que a mulher de Barbalho permanecia sentada no baú como se nada estivesse acontecendo, dirigindo para eles, um olhar estranho, então um deles perguntou:

- A senhora tem uma bíblia em casa?

Como ela não respondeu, Barbalho disse:

- Ela tem, mais guarda neste Baú e ninguém consegue fazer com que ela se levante daí de cima.

Tomando mais um gole um dos jovens disse:

- Tem coisa estranha aí, essa velha esconde alguma coisa, não é possível que uma pessoa fique sem comer e sem dormir por mais de um dia e esteja nesta tranquilidade.

- A senhora pode se levantar daí desse Baú para tirarmos a bíblia de dentro?

- Não, respondeu a senhora olhando sério. 

Logo sentiram um calafrio ao encarar aquela figura estranha que abriu uma das mãos e apontando em nossas direções aos jovens, gritou:

- Saiam daqui, vocês são da parte do Diabo, fora daqui. Começando a atirar objetos na direção dos jovens.

Nisto, entraram na casa Dona Lenita, que era uma conhecida sensitiva e seu Lola que sempre a acompanhava nos trabalhos do ofício nestas situações, tinha sido chamados por alguém que certamente estava preocupado com toda aquela situação. Então a sensitiva pediu para que Barbalho sentasse ao lado de sua esposa, em seguida pediu para que os jovens se retirassem do local. Depois disso ela fechou toda a casa isso por volta das 14:00h, ouvia-se gritos, barulho de pés no assoalho e palavras de ordem, como se alguém estivesse sendo expulso daquele local. Todos os curiosos procuraram se aproximar mais da casa maldita para ouvir melhor o que vinha de dentro, já que não podiam ver nada pois estava tudo fechado.

De repente fez-se um silêncio aterrador dentro da casa e depois de uns 30 minutos, eis que a porta principal se abriu e de dentro da casa, saiu a sensitiva e seu assistente, com o dedo na boca pedindo silêncio a todos e pedindo que todos fossem embora, o que todos atenderam, não sem antes perguntar o que aconteceu com os dois anciões, então a sensitiva aproximou-se do grupo e explicou que os dois estavam em um sono profundo. Os dois sumiram rapidamente e cada um foi pra sua casa. Terminava ali um mistério e começava outro, o que realmente aconteceu no interior daquela casa?  


Material cedido pelo professor e mestre em cultura popular Gelffson Brandão Lobo.

3 comentários:

  1. Muito bom gosto de ler as histórias de igarapé Miri

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  2. Ótimo 👏 tinha muitas curiosidade sobres essas lendas !

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  3. Fiquei curiosa, para saber o que aconteceu!

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